terça-feira, 1 de novembro de 2011

Estrada de terra

Estradas de terra são especialmente desagradáveis de serem atravessadas durante uma viagem. Principalmente se você estiver em uma perua velha, que range a cada buraco pelo qual passa. Principalmente se você não estiver sozinho na perua velha, mas acompanhado de outros sete passageiros grudentos e arfantes. Principalmente se o mexicano ao seu lado tem uma dentadura bastante solta, fato que não o impede de descrever por quarenta minutos ininterruptos sua infância cheia de travessuras e molecagens. Principalmente se a dama à sua frente não se abstém de cutucar as unhas de seu pé cor-de-carvão com uma caneta que anteriormente prendia seu cabelo ralo. E principalmente se você está atravessando a estrada de terra em direção à sua terra natal, depois de anos sonhando com o dia em que retornaria, esperando encontrá-la intacta, com as mesmas pessoas, praças, árvores e casas. Mas o desconforto pesa em sua barriga quando você percebe que as coisas mudaram sim, a começar pela estrada de terra, cuja existência nunca foi do seu conhecimento. Fechando os olhos e esvaziando a sua mente, consegue prestar mais atenção na história de vida do mexicano. Em como ele costumava apostar corrida com seus amiguinhos, entre as pedras da estrada, ferrando os pés descalços que já não sentiam mais dor, e a surra que levavam quando chegavam em casa, por desobedecerem às ordens de suas mães. Engraçado, porque você se lembra de ter apostado várias corridas com os pirralhos de sua infância também. Numa estrada pedregosa, diferente da estrada que atravessava no momento. Junto com a vizinha pequenininha, a única menina da turma, que tinha uma tosse incansável e seca, por ter alergia a poeira. Uma tosse que você seria capaz de reconhecer a qualquer momento, pois foi trilha sonora de suas brincadeiras juvenis. Uma tosse, aliás, que estava ouvindo abafadamente naquele instante. E que vinha da senhorita que anteriormente cutucava as unhas do pé. Ao abrir os olhos, observa que a menininha fleumática de sua infância e a deselegante moça não tinham, afinal, grande diferença. Aliás, não tinham diferença nenhuma. E o sotaque mexicano carregado também não lhe era estranho. Um tranco da perua faz você bater a cabeça no teto manchado de mofo, porém a dor não traz grande incômodo, afinal, muitos outros trancos se repetiram após o primeiro, devido às inúmeras pedras que começaram a surgir em um ponto da estrada. Pedras marcadas por travessuras e corridas com os pés descalços. Pedras marcadas com risadas e surras maternas. Pedras marcadas com nostalgia. Ah sim, agora você percebe. No fim das contas, o mundo não é tão grande assim. Tudo sempre retorna ao seu lugar, assim como retornamos de corpo e alma à nossa terra natal, com as lembranças sempre vivas na mente. Era bom estar de volta.

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